Dando continuidade ao Seminário
Internacional “Herança, Identidade, Educação e Cultura: gestão de sítios
históricos ligados ao tráfico negreiro e à escravidão”, as Reuniões
Técnicas dos profissionais atuantes na preservação e na promoção de
sítios e lugares de memória ligados à escravatura que aconteceu, na
última terça-feira(21), contou com a presença de especialistas da
África, das Américas, do Caribe, do Oceano Índico e da Europa.
Os especialistas africanos ressaltaram a
dificuldade em repassar aos visitantes dos sítios históricos ligados a
verdadeira história da escravidão. O diretor de Educação dos Museus de
Gana e Conselho de Monumentos (GMMB), Stephen Korsah, ressaltou que a
questão se torna ainda mais complicada, porque os africanos têm uma
versão sobre a escravidão, enquanto os europeus e os livros de história
apresentam outras versões. “Conhecer a verdadeira história é complicado,
por isso, decidimos então mesclar e utilizar o que há nos livros e nos
relatos orais da população”, contou.
Ao apresentar dados e fotos do Castelo
de Cape Coast, uma fortificação construída em Gana por comerciantes
suecos para o comércio de madeira e ouro e, utilizada mais tarde para o
comércio transatlântico de escravos, Korsah falou sobre os desafios de
conservação e preservação dos sítios de memória.
“São inúmeros os desafios, mas o nosso
departamento cuida disso e faz parte das nossas boas práticas fazer o
nosso melhor. Acreditamos que os alunos e a população local são agentes
de disseminação, porque crescem ouvindo e vendo o trabalho que
aplicamos. Por isso, temos certeza que no futuro, poderão transmitir
esse conhecimento e passar para frente”, disse.
O historiador Charles Samson Akibode
acredita que além da preservação, é preciso se preocupar com a melhoria
de vida da população dos sítios históricos. “Não podemos falar de
turismo e riqueza se não pudermos falar em melhorar a vida dos
moradores”, defende. “Ao capacitar e incentivar a busca pelas raízes,
nós os inserimos no processo de conversação histórica necessária para
manter viva a memória desses lugares”, completou.
Akibode compartilhou com os
participantes as práticas utilizadas em Cidade Velha, primeira capital
de Cabo Verde e declarada como Patrimônio Mundial da Humanidade pela
UNESCO, em 2009. Para ele, o modelo de gestão que melhor funciona em
Cidade Velha é o participativo. “O modelo piramidal, onde as gestões vêm
de cima para baixo, não é o ideal”, analisa. “Levamos em conta as
preocupações da comunidade e, dessa forma, conseguimos envolvê-la em
todas as decisões. Assim, se sentindo parte de tudo o que a Cidade é,
essa população garante que a conversação história seja mantida”, afirma.
Paul Lovejoy, diretor do Harriet Tubman
Institute for Research on the Global Migrations of African Peoples
(Harriet Tubman Instituto de Pesquisa sobre as migrações globais dos
povos africanos), surpreendeu os participantes ao falar da escravidão no
Canadá. Segundo o especialista, as pessoas não pensam no Canadá quando
pensam nos afrodescendentes e em escravidão, mas o Canadá tem uma
história muito efetiva no que se refere ao tema. “O Canadá abrigou cerca
de 20 mil afrodescendentes que escaparam da escravidão ou fugiram dos
Estados Unidos, porque tinham medo de serem reescravizados, mesmo já
sendo libertos”, contou.
Lovejoy explicou que uma das
preocupações canadenses é sobre como fazer com que os cidadãos aprendam o
impacto da escravidão no mundo moderno e como fazê-los entender que
escravidão é um crime. Para isso, o Canadá possui um programa de
rastreamento de sítios da experiência afro-canadense, onde o
reconhecimento dos lugares de memória é realizado em total cooperação
com as comunidades.
Luís Rocca Torres, representante do
Peru, manifestou sua opinião e ressaltou a importância da promoção dos
sítios de memória dos peruanos. A ideia é reunir o maior número possível
de sítios e posteriormente submeter sua candidatura para avaliação da
Unesco.
O Uruguai atua em parceria com o
Paraguai e a Argentina para identificar seus sítios de memória com o
objetivo de promover, preservar e valorizar o legado da ancestralidade
africana deixado em seus países.
Karla Chagas, pesquisadora do Centro de
Patrimônio da Nação do Uruguai, destacou o Caserio de lós Negros, porto
de entrada de escravos no país, em 1788, localizado em Montevideo
transformado em monumento em 2002, Casco Historico de Colonia Del
Sacramento fundado por Portugal em 1690, Calera de las Huérfana de 1791,
Oratorio de lós Correa de 1826 , característico pela forte presença da
população brasileira.
Segundo a pesquisadora, a população
afrodescendente do país é de apenas 10% em relação ao resto da população
de origem europeia. Outro patrimônio uruguaio de destaque é candombe
termo que se refere à danças e ritmos praticados pelos negros no Uruguai
baseado nos tambores chamados de tangó ou tambó nome também usado para designar o lugar onde realizavam as candomberas.
Essas manifestações culturais à céu aberto chegaram a ser reprimidas
pelas autoridades no século XIX, e por muito tempo foram realizadas
apenas em ambientes fechados, em clubes secretos organizados pelos
africanos e afrodescendentes.
Representante do Haiti, Mireille Frombum
afirma que as circunstâncias políticas e os desastres naturais
ocorridos no país não destruíram a força do povo haitano. E exibiu fotos
de um museu pertencente a sua família que foi transformado em um local
de memória à serviço da história. Reconstruído a partir de ruínas, a
missão principal do museu é trabalhar, sobretudo, com crianças para
desenvolver a autoestima e a valorização da história do negro no país.
Mathieu Dussauge, representante da Rota
do Escravo em Guadalupe é coordenador do programa Traços e Memórias
inaugurado em 2010. O projeto permite conhecer melhor os sítios
patrimoniais ligados à história da escravidão em todo conjunto do
território caribenho. A intenção é unificar o trabalho da Unesco junto
com todas as zonas do Caribe Latino e promover a Rota da Abolição da
Escravatura que visa a valorização humana.
O ministro dos Povos Indígenas e
Afrodescendentes de Honduras, Luís Green Sales, fez um cumprimento em
sua própria língua e chamou a atenção para a valorização das línguas,
dialetos e tradições africanas. Ressaltou a importância da agenda negra
no contexto sócio-cultural e político no sentido de torná-la visível
àqueles que negam a sua existência. E lembrou de locais importantes como
o Forte de Santa Barbara, Forte de São Fernando, Igreja das Dores, como
valiosas contribuições africanas.
O evento está previsto para acabar,
nesta quinta-feira (23), com o resumo das perspectivas para a instalação
de itinerários de memória (educação, cultura e desenvolvimento local)
e orientações para a elaboração do guia metodológico e conteúdos
pedagógicos para os módulos de formação.